Todo mundo que já viveu uma paixão sabe dizer como esse sentimento mexe com o nosso estado de espírito. Além das tão faladas borboletas no estômago, os apaixonados podem sentir o coração palpitar só de pensar na pessoa amada – e pensar nela, aliás, torna-se algo bastante frequente, mesmo que exista a tentativa de “mudar de foco”. Entre outros tantos sinais, nos momentos de insegurança, quando pendemos mais para o mal-me-quer do que para o bem-me-quer, um aperto no peito pode nos afligir.

Todo mundo que já vivenciou um episódio de ansiedade mais à flor da pele sabe dizer como essa emoção mexe com nosso estado de espírito, provocando um conjunto de sintomas muito semelhantes àqueles experimentados no ápice de uma paixão. Para a ciência, essa semelhança entre os dois quadros é atribuída a um mesmo mecanismo acionado tanto pelo cérebro apaixonado quanto pelo cérebro ansioso. Um desses aspectos comuns diz respeito à liberação de cortisol, o hormônio do estresse. É o que aponta uma pesquisa publicada em 2009 e realizada por estudiosos ligados ao Departamento de Desenvolvimento Humano e Ciências da Família, da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. E, segundo os pesquisadores, todo esse contexto realmente pode deixar os enamorados mais vulneráveis a episódios de ansiedade.

Curiosamente, se a paixão pode contribuir e, em certa medida, até se confundir com quadros ansiosos, o oposto também é válido. É o que verificaram, em 1974, os psicólogos canadenses Donald Dutton e Arthur Aron que desenvolveram a tese da “ponte do amor”. 

Em suma, conforme descreve uma reportagem do conglomerado de mídia britânico BBC, o experimento comparou o comportamento de homens que visitavam um parque em Vancouver. No caso, eles foram separados em dois grupos. No primeiro, os participantes foram entrevistados por uma pesquisadora enquanto avam por uma ponte baixa e sólida – que transmitia sensação de segurança. Já os demais foram abordados quando estavam no meio de uma ponte alta e suspensa – gerando uma sensação de apreensão. 

Na conversa, os voluntários eram convidados a pensar na história por trás de uma foto, apresentada a eles durante a abordagem. Embora todos fossem convidados a ligar para a entrevistadora posteriormente, para sanar possíveis dúvidas, essa atitude foi significativamente mais frequente entre aqueles que foram ouvidos quando estavam “nas alturas”. Além disso, as histórias que eles aram a narrar por telefone tinham teor mais sexualizado e romântico na comparação com os outros homens.

A conclusão da pesquisa é que muitos dos que foram entrevistados enquanto atravessavam a estrutura suspensa acreditaram erroneamente se sentir atraídos pela entrevistadora, enquanto, na verdade, estariam apenas ansiosos e com medo de cair da ponte. Para os estudiosos, a sensação de apreensão, juntamente a sintomas como o coração disparado e respiração acelerada, contribuíram para essa confusão emocional.

Vale registrar que, antes do experimento, outras investigações já indicavam que, às vezes, falhamos ao rotular o que sentimos. Foi o que demonstrou, em 1960, o psicólogo social Stanley Schachter, que chamou esse fenômeno de “atribuição errônea da excitação”. Em sua pesquisa, ele detalha que nossas emoções não são tão obviamente identificáveis e os rótulos que atribuímos ao que sentimos depende de uma interpretação contextual dos acontecimentos. Interpretação que, eventualmente, pode se provar equivocada.

Toda paixão é ansiosa?

Para a psicóloga Leni de Oliveira a paixão se confunde com muitas coisas – “pois apaixonamos por algo que é nosso acreditando que é do outro”, crava. E que se confunda com a ansiedade é até compreensível. Até porque estamos inseridos em um contexto que contribui para tal – “o mundo é ansioso, a vida é ansiosa, a experiência humana está toda contaminada pela ansiedade”, avalia.

Mas Leni não acredita que todo apaixonamento seja patologicamente ansioso. “A paixão traz um alto nível de idealizações. Nos apaixonamos pela ideia de que o outro corresponderá em tudo. Ao perceber que isso não é bem assim, chega a frustração. Isso não é ruim, é necessário para que a relação entre em um nível de realidade”, situa, ponderando que alguns podem adoecer por não ter recursos para lidar com a frustração.

Já o psiquiatra Bruno Brandão defende que, até certo ponto, a paixão anda de mãos dadas com a ansiedade. “Se a gente pensar que o estado ansioso está associado a uma expectativa em relação ao futuro, então as duas coisas se confundem. Mas, diferentemente dos distúrbios de ansiedade, que trazem mal-estar, apreensão e medo, no caso do apaixonamento, essa expectativa gera bem-estar e esperança”, situa. 

Ele ainda lembra que o sentimento também se assemelha à obsessão. “Por mais que a gente tente, parece inevitável pensar na pessoa amada. Porém, ao contrário de quadros como o transtorno obsessivo-compulsivo (Toc), esses pensamentos invasivos geram sensações agradáveis, não sendo prejudiciais”, comenta.

Aposte no autoconhecimento

Leni de Oliveira sustenta que o melhor caminho para evitar essa confusão emocional é o autoconhecimento. “Preciso entender como funcionamos, se o desejo é correspondido ou se estamos apenas esperando que aquela pessoa seja a solução para algum problema nosso”, indica.

“Paixão vem de ‘páthos’, seria como um amor patológico. Não dá para sustentar a vida toda”, conclui, sugerindo que a busca por respostas típica do apaixonamento pode ser empolgante em um primeiro momento, mas, com o tempo, a apreensão associada à tentativa de desvendar o outro – em vez de dialogar com ele – torna-se nociva.